segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Fransquim Gouveia

Minha mãe teve sete homens como irmãos.
Todos, sem exceção, ela ama até hoje, embora muitos deles já falecidos.
É comum estarmos reunidos na casa de meus pais e as lembranças saudosas, dos ‘Gouveias’ que partiram desta vida, regadas de lágrimas, serem citadas em nossas conversas.
A todos os meus tios, aprendi a amar desde cedo. Sempre os respeitei e os admirei com fraternal sentimento. Embora, de maneira tímida e encabulada.
Todavia, um deles obteve destaque especial. Seu nome, Francisco Luiz Gouveia, ou simplesmente, Fransquim Gouveia, ou ainda, como muitos o chamam: ‘padim’.
Meu primo Hudo, na intimidade, ainda quando garoto o chamava de ‘tie fresquim’, numa forma carinhosa de demonstrar como tio Fransquim cuidava, animava, dava conselhos, brigava e amava todos os seus sobrinhos.
Ao próprio Hudo, tio Fransquim, apelidou de ‘aniquelado’. Por este, quando criança, ser branco, loiro e de olhos claros. Ao Antonio José, filho do tio Fernando, o chamou de ‘balai’, no jeito barroquinhense de se falar ‘balaio’(de gatos). Dentre muitos apelidos que criou, como: potó, bocão, barrão, cuscuz, e outros.
Nosso tio, depois de cansado da profissão de caminhoneiro e limitado pela pouca visão, abriu uma oficina localizada vizinha de sua casa, na rua de baixo.
Nesta oficina, tio Fransquim, passou a exercer a ocupação de mecânico.
Inicialmente, tinha como único funcionário, nosso primo, Marcos Gouveia, irmão do 'balai', que pintava e soldava para os clientes. Profissão que este aprendeu por lá, sob as vistas do nosso tio.
Este local, também, servia de ponto de encontro para os garotos de minha época. Lá brincávamos de trapézio de circo, montávamos times de futebol, brigávamos uns com os outros (e tome cacete), sempre diante do olhar cuidadoso do tio.
-“Êxe culumim, é danado”! Ele dizia, quando um de nós se destacava em algo.
Na semana santa, confeccionávamos o ‘judas’, enxertando-o com as ramas de mata-parte que cresciam nos brejados do quadro da Igreja, nos meses de chuva, em frente sua residência.
Nos meses de mais vento, ajudava-nos a confeccionar e soltar os ‘papagaios’ ou pipas da calçada da igreja.
Sempre brincando, contando lorotas e conseguindo maneiras de ‘torrar’ nossa paciência, arranjando-nos namoradas, às quais, detestávamos tê-las como pretendentes, por servirmos de ‘mangação’.
Pois, no mínimo, eram horrorosas ou bem mais velhas.
Estando em nossa cidade, procuro vê-lo e me deleitar de sua presença. Nas minhas conversas diárias com meus pais, ao telefone, pergunto sempre por ele.
Tio, sempre quis lhe agradecer pela forma que ajudou a me educar. Quero que saiba: grande parte do que sou e de como aprendi a ser homem, devo à sua forma paternal de me falar o que pensa, de fazer piadas, de me ensinar coisas que jamais aprenderia com meu pai, enfim, brincar de ser tio. O nosso tio.

Fortaleza/CE

Quando criança, quando se falava em Fortaleza, na minha mente infantil e depois adolescente, parecia ser algo muito distante da minha realidade.
Lembro de ficar ouvindo minha avó Chicota, por ser cega, ditar as cartas para minhas primas, a serem enviadas para alguns parentes na cidade alencarina.
Fortaleza, para mim, tinha assim uma espécie de magia. Mesmo sem conhecer a cidade, eu sabia quase todos os nomes dos bairros, suas praias e belezas naturais.
No dia 12 de Julho de 1987, nossa família com a pretensão de chegarmos a Porto Velho-RO, saímos de Camocim, à noite, e amanhecemos o dia seguinte na capital, para então seguirmos viagem rumo ao destino final.
Na minha situação de garoto do interior, fiquei ‘abirobado’ com tantas luzes, tantos carros, tantas pessoas.
Até então, a viajem mais longa que havia feito, e sem grandes expressões, era ter ido a Canindé-CE conhecer a basílica de São Francisco, no caminhão pau-de-arara do senhor Zeferino Véras, fretado pela dona Adelaide do Hotel. Nesta viajem, não se passou por Fortaleza.
Como nossa permanência em Porto Velho não fora possível, em um mês estávamos todos de volta ao Ceara, residindo agora, como nunca imaginei, na cidade de Fortaleza.
Em Fortaleza, meus pais tiveram o apoio incondicional da tia Fransquinha e seu marido Diomédio Alves. Isto, eu gostaria de ressaltar.
Tia França, como assim a chamamos, na realidade é uma daquelas pessoas, que de um jeito ou de outro, seria da nossa família. Pois, além ser filha de uma prima do meu pai e adotada pelo meu avô paterno, era filha de tio Raimundo Gouveia, irmão de minha mãe.
Depois de alguns meses, ao final do ano de 1987, morando no Parque Potira, em Caucaia, meus pais resolveram passar o Natal em Camocim, de onde não mais voltaram. E, mudaram-se posteriormente, retornando para nossa Baroquinha.
Como já estava trabalhando, resolvi permanecer nas casas das tias e dei continuidade aos estudos, residindo em Fortaleza, até os dias de hoje.

Bom é correr ‘aprumado’.

Certa vez, saindo da escola, escutei um boato que alguém havia presenteado a Seleção de Futebol de Barroquinha, com vários pares de chuteiras.
Não sei ao certo quem realmente mandou, porém, mesmo contrariando as ordens de minha mãe: – ‘Quando sair da aula, venha direto para casa’, não resisti, tamanha curiosidade, fui ‘cubar’ o movimento.
Ao me aproximar do local, um campo de futebol que ficava em um descampado em frente ao Colégio Carmelita Véras, avistei vários homens ao redor de um saco enorme, no qual tinham trazido as chuteiras.
Todos, naquele momento, estavam ‘caçando’ um par que coubesse em seus pés, para colocá-los e logo, começarem o treino.
Fiquei na beira do campo todo o resto da tarde apreciando os jogadores calçados com as chuteiras. Afinal, eu nunca tinha visto um ‘sapato’ daqueles de perto.
Ao final do treino, dirigindo-me para minha casa, acompanhei um grupo de atletas que estavam falando do jogo, de como tinha sido diferente em razão, agora, da presença das chuteiras, etc.
Em dado momento, um deles, mesmo que lembrasse quem, jamais diria, falou em bom barroquinês: - ‘cumpade, o bom dessa bicha, é que a gente corre aprumado, é ou num é?’. Afirmativa feita por todos os demais atletas.
Quando cheguei em casa, já noitinha, minha mãe estava aflita. Pois, até àquela hora, eu não tinha dado notícia. Não restava alternativa, senão, me dar uma surra.
Enquanto eu corria, para não apanhar, me lembrei do comentário do jogador e como desejei, naquele momento, ter uma chuteira daquelas. Para correr ‘aprumado’ e evitar que dona Gouveinha, me desse aquelas chineladas.
Não teve jeito, apanhei sempre!

Barroquinha era assim!

Poderíamos dividir nossa cidade em quatro pequenas regiões. A região do quadro da rua, onde morávamos, a do paço novo, a do campo, numa alusão ao descampado que existia em frente ao colégio Carmelita Véras, subindo até mais ou menos em frente ao Grupo Escolar Getúlio Vargas, atual escola Jaime Laurindo e, finalmente, a da Caucaia.
O bairro Caucaia, de hoje, o nome surgiu em referência à Caucaia-CE, que assim como a cidade da região metropolitana de Fortaleza, estava crescendo rapidamente com a abertura de bom número de bares, se assemelhando ainda mais, com o alto índice de violência causada pela embriaguês dos freqüentadores.
Segundo contam, o senhor Mano, em tom de brincadeira, fez a comparação e assim ficou. Antes, também em tom de brincadeira, típica do barroquinhense, chegou a ser chamado de Volta da Jurema.
Na realidade a Caucaia, passou predominantemente a ser, ao longo dos anos, habitada pelas famílias que residiam antes, nos lugarejos situados ao norte de nossa cidade, Barroquinha dos Fiéis, Ilha, Marisco, Remédios, etc.
Trabalhadores rurais e agricultores, que se estabeleciam no nosso distrito, mediante o, embora pouco, maior desenvolvimento do lugar, comparando com seus lugares de origem.
Em suas ruas, como na maioria das outras da localidade, corria um ‘areial’ frouxo, que a gente pisava, mas a sensação que tínhamos era que não saíamos do ‘canto’.
Na rua do campo, sobressaia-se como destaque visual a Santa Cruz e a rodagem de piçarra que ligava as cidades de Camocim e Chaval. Além disso, por todo o campo, existiam as veredas que encaminhavam as pessoas às ruelas existentes, onde muitos habitavam.
No Paço Novo, rua que se compreendia ser da esquina da mercearia e farmácia do senhor Pedro Véras, em direção à saída para quem vai para a vila de Lagoa do Mato, existia uma areia solta e grossa que apenas facilitava o caminhar de pessoas montados em animais. Já que, de bicicleta era inviável, tamanha frouxidão do terreno.
A Rua do Ouvidor, também, como ficou conhecida, era a rua mais movimentada do distrito.
O mercado da venda de carnes e peixes, ou simplesmente mercado, como assim o chamamos até hoje, no espaço que existia entre a loja do senhor Franciné(esquina) e a bodega do senhor Chico Eduardo, concentrava grande número de lojas e mercearias, onde a população local, bem como, das circunvizinhanças, se abasteciam.
No quadro da rua ou praça da matriz, residiam as famílias mais tradicionais do lugar: Araújo, Benício, Bento, Filomeno, Fontenele, Nóbrega, Pereira, Rocha, Véras, dentre outras, claro, os Gouveias.
Era caracterizada principalmente, pela existência da Igreja, em forma de cruz, onde eram celebrados os eventos religiosos, por assim dizer: o Triduo Mariano, no mês de maio, a festa de São Francisco no mês de outubro, as Missas mensais, os batizados e o tradicional festejo de Nossa Senhora dos Navegantes, no mês de agosto, realizados desde 1914.
Além disso, aos domingos existiam os Cultos Dominicais, que na ausência de padre, a pregação do Evangelho era feita pelo Dirigente do Dia Do Senhor, meu pai, Vicente Adolfo.
Em nossa Barroquinha, da rua de baixo, assim também chamada, podíamos dividir o ano em apenas duas estações. Época de chuva, ou inverno como conhecemos. E, depois período seco, ou verão.
Durante o inverno, brotava do chão uma espécie de grama que alastrava em cada centímetro quadrado do nosso quadro. Na região, em frente da Igreja e caixa d’água, aparecia um ‘brejado’ escorregadio e deste, floriam várias vegetações, entre tantas, principalmente, as ramas de mata-parte.
Todo o quadro ficava verdinho, que parecia proliferação divina do verde. E, era mesmo!
Os gramados, as ramas de mata-parte, só davam lugar, vez por outra, para as veredas que cortavam o quadro em diagonal, criadas pelos andantes, na tentativa de cortar caminho.
O quadro da Matriz, mesmo nas chuvas, possuía circunferências sem nenhum tipo rama ou grama, apenas areia. Eram nestas extremidades que circulavam os carros, as bicicletas e animais. Principalmente, na piçarra da rodagem que passava numa das laterais do mesmo.
Nos meses do verão, tudo que era verde transformava-se em um amarelo acinzentado, se é que existe esta cor, mas o que quero dizer, é que as ruas ficavam sem vida. Tudo murcho ou murchando, seco ou secando. A paisagem ficava muito feia.
Os gramados e as diversas vegetações rasteiras, davam lugar ao chão duro de barro batido com grama seca e rala.
O vento ficava tão quente, que formava enormes redemoinhos. Uma espécie de funil de vento que levantava do chão, areia, lixo e tudo o que tivesse pela frente. O fenômeno tomava força no campinho atrás da Igreja e terminava, quase sempre, na esquina da rodagem do rumo de Chaval.
A energia elétrica que dispomos hoje em todas as casas de nossa cidade, no meu tempo, era privilégio de poucos. Isso, quando a prefeitura de Camocim, mandava o óleo diesel para a casa de força usar no gerador.
Apenas as ruas do quadro e a do Ouvidor, recebiam iluminação artificial, à noite, em alguns postes, sem falar que permaneciam acesos somente até as vinte e duas horas. Dez da noite.
Nossa iluminação residencial, eram na base das lamparinas e dos lampiões de gás.
Podíamos contemplar no céu, as estrelas do cruzeiro do sul e as três marias, além de todas as outras. Antes do amanhecer, parecia que a estrela Dalva pertencia somente ao nosso povo, de tão radiante que ficava.
Nos dias de hoje, quase não podemos observar nada destas minhas recordações. Afinal, o distrito foi emancipado, houveram as implementações necessárias de infraestrutura, o mundo evoluiu e, principalmente as pessoas, evoluíram.
Mas, ficou muita saudade e embora 'meu lugar' precise continuar evoluindo, ainda me considero apaixonado por aquela menina, que conheci quando nasci. Posso dizer, que foi amor a primeira vista, pela minha eterna Barroquinha!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Lapinha de Natal


Durante o período natalino, não tenho como esquecer a lapinha que era montada, todos os anos, na sala da casa de tia Leontina e tio José Maria, onde moravam na rua do Ouvidor.
Embora o presépio, fosse o mesmo já de vários natais, eu encontrava um jeito de identificar sempre novas imagens e conhecer novos personagens que fizeram parte da história do nascimento de Cristo.
Os pastorinhos, os reis magos, a imagem do menino Jesus no estábulo, junto da Virgem Maria e São José, fazia-me viajar naquele pequeno mundo diante de mim.
As casinhas, os animaizinhos, os bonequinhos figurantes da lapinha, me faziam sentir parte daquele canto da sala.
Infelizmente, nos dias atuais, quase já não vemos tais presépios instalados. As crianças, sempre voltadas ao consumismo imediato, já não fazem aquela viagem que eu costumava fazer dentro da minha infantilidade.
Os pais, já não têm a devida preocupação de despertar na mente dos filhos, o conhecimento necessário desta história que me despertava tanta curiosidade.
Temos que considerar o nascimento e a vida de um homem, que há mais de dois mil anos, embora soubesse ler, nunca escreveu um livro.
Que, embora tenha andado sobre as águas, nunca se afastou mais de 400 km do lugar onde nasceu. Nunca usou arma alguma. Não detinha ouro e nem exércitos.
Pregou apenas o amor a Deus e ao próximo, essencialmente.
Mesmo assim, nem os mais poderosos reis que já existiram na história da humanidade, não sejam juntos, nem de perto, mais falados que Ele. Ou, tenham conquistado maior número de admiradores e seguidores como os que Jesus Cristo fez e continua fazendo.



segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Amor Natural

Quando nasci era assim:
No distrito de Barroquinha
O ente que ao mundo vinha,
Era filho de Camocim.

Era ainda curumim,
Quando os documentos tirei,
A quem duvidou sempre provei:
Sou natural do Camocim.

Que na Barroca nasci,
Hoje falo aos quatro cantos,
Porem nunca esquecí
Que meu Camuça é um encanto.

Com muito orgulho no peito,
Posso das duas cidades falar.
Mesmo vivendo distante,
Entre as duas hei de morar.

Moro hoje em Fortaleza,
A minha vida vim tentar.
Porém tenho a certeza,
É quase hora de voltar.

Na cidade de Alencar,
Trabalho feito um ‘doidim’.
E todo mês a família convida:
Vamos pra Camocim?

Com a Naiana formada,
E o Júnior a estudar,
Vou preparar os molambos,
Pra minha terra voltar.

Quando chegar o momento,
Logo não exitarei.
E pra não dar gosto a Diana,
Em nenhuma residirei.

Optarei para entre as duas,
Construir um belo lar.
Para onde der vontade,
Dar um pulo pra chegar.

Barroquinha não se peocupe
Com o meu amor por Camocim.
Meu coração é tão grande,
Que cabem vocês ‘tudim’.

O meu amor por Barroquinha,
Não é assim um só ‘tantin’.
Somente posso comparar,
Ao meu amor por Camocim.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Queda na Gruta de Chaval/CE.

Em 1978, no mês de novembro, período de festejos de N. Srª de Lourdes, minha mãe fez, à pé, o percurso entre Barroquinha e Chaval, para pagamento de uma promessa.

Ela e outras mulheres, partiram de nosso distrito, rumo à Chaval, por volta das quatorze horas, em caminhada, com a pretensão de chegarem antes do anoitecer na cidade vizinha. E assim, participarem do evento religioso, em cumprimento à promessa.

Durante o percurso, contou minha mãe, as mulheres rezavam, cantavam hinos de louvou, mas também, brincavam bastante. Isto, sob as vista dos demais viajantes que passavam de carros, bicicletas e a cavalo.

Lá chegando, conforme planejado, foram se estabelecer nas casas de amigos.

Eu, o meu pai e meus irmãos, fomos de carro, somente à noite.

Ao chegarmos, localizamos dona Gouveinha já assistindo a Missa. Para não incomodá-la, meu pai resolveu nos levar para passear um pouco. Lá vai, seu Vicente, levar seus três comportados pupilos para conhecer a cidade, comer pipocas e bombons.

Andando pelo lugar, meu pai, segurava nas mãos dos meus irmãos menores e permitia que eu, por ser um pouco maior, andasse apenas ‘encostado’ neles. Vez em quando, ele colocava meu irmão Paulo, na época, Nenen, assim o chamávamos, nos braços.

De frente à Gruta, então, resolvemos subir.

Com aqueles degraus inclinados, eu nunca tinha visto nada igual, a Gruta estava lotada de gente, subindo e descendo. Quando já estava chegando ao topo, solto sem pegar em nada nem em ninguém, eu me desequilibrei, ‘prantei-me’ no chão e saí ‘bolando’ escada a baixo.

Meu pai, coitado, aflito, não sabia o que fazer. Se, corria pra me salvar ou deixava meus irmãos livres, correndo mesmo risco.

Desci uns dez degraus, machucando as costas a cabeça e os joelhos até chegar, finalmente, nos pés do senhor Chico Baité, que naquele instante, também subia, de mãos dadas com uma moça, e me amparou.

Ora, o choro foi instantâneo. Só parei, quando reencontrei minha mãe, que cuidou dos arranhões e me acalmou. Mas, fiquei dolorido por mais de uma semana.

Oh lembrança, essa!