segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Lapinha de Natal


Durante o período natalino, não tenho como esquecer a lapinha que era montada, todos os anos, na sala da casa de tia Leontina e tio José Maria, onde moravam na rua do Ouvidor.
Embora o presépio, fosse o mesmo já de vários natais, eu encontrava um jeito de identificar sempre novas imagens e conhecer novos personagens que fizeram parte da história do nascimento de Cristo.
Os pastorinhos, os reis magos, a imagem do menino Jesus no estábulo, junto da Virgem Maria e São José, fazia-me viajar naquele pequeno mundo diante de mim.
As casinhas, os animaizinhos, os bonequinhos figurantes da lapinha, me faziam sentir parte daquele canto da sala.
Infelizmente, nos dias atuais, quase já não vemos tais presépios instalados. As crianças, sempre voltadas ao consumismo imediato, já não fazem aquela viagem que eu costumava fazer dentro da minha infantilidade.
Os pais, já não têm a devida preocupação de despertar na mente dos filhos, o conhecimento necessário desta história que me despertava tanta curiosidade.
Temos que considerar o nascimento e a vida de um homem, que há mais de dois mil anos, embora soubesse ler, nunca escreveu um livro.
Que, embora tenha andado sobre as águas, nunca se afastou mais de 400 km do lugar onde nasceu. Nunca usou arma alguma. Não detinha ouro e nem exércitos.
Pregou apenas o amor a Deus e ao próximo, essencialmente.
Mesmo assim, nem os mais poderosos reis que já existiram na história da humanidade, não sejam juntos, nem de perto, mais falados que Ele. Ou, tenham conquistado maior número de admiradores e seguidores como os que Jesus Cristo fez e continua fazendo.



segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Amor Natural

Quando nasci era assim:
No distrito de Barroquinha
O ente que ao mundo vinha,
Era filho de Camocim.

Era ainda curumim,
Quando os documentos tirei,
A quem duvidou sempre provei:
Sou natural do Camocim.

Que na Barroca nasci,
Hoje falo aos quatro cantos,
Porem nunca esquecí
Que meu Camuça é um encanto.

Com muito orgulho no peito,
Posso das duas cidades falar.
Mesmo vivendo distante,
Entre as duas hei de morar.

Moro hoje em Fortaleza,
A minha vida vim tentar.
Porém tenho a certeza,
É quase hora de voltar.

Na cidade de Alencar,
Trabalho feito um ‘doidim’.
E todo mês a família convida:
Vamos pra Camocim?

Com a Naiana formada,
E o Júnior a estudar,
Vou preparar os molambos,
Pra minha terra voltar.

Quando chegar o momento,
Logo não exitarei.
E pra não dar gosto a Diana,
Em nenhuma residirei.

Optarei para entre as duas,
Construir um belo lar.
Para onde der vontade,
Dar um pulo pra chegar.

Barroquinha não se peocupe
Com o meu amor por Camocim.
Meu coração é tão grande,
Que cabem vocês ‘tudim’.

O meu amor por Barroquinha,
Não é assim um só ‘tantin’.
Somente posso comparar,
Ao meu amor por Camocim.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Queda na Gruta de Chaval/CE.

Em 1978, no mês de novembro, período de festejos de N. Srª de Lourdes, minha mãe fez, à pé, o percurso entre Barroquinha e Chaval, para pagamento de uma promessa.

Ela e outras mulheres, partiram de nosso distrito, rumo à Chaval, por volta das quatorze horas, em caminhada, com a pretensão de chegarem antes do anoitecer na cidade vizinha. E assim, participarem do evento religioso, em cumprimento à promessa.

Durante o percurso, contou minha mãe, as mulheres rezavam, cantavam hinos de louvou, mas também, brincavam bastante. Isto, sob as vista dos demais viajantes que passavam de carros, bicicletas e a cavalo.

Lá chegando, conforme planejado, foram se estabelecer nas casas de amigos.

Eu, o meu pai e meus irmãos, fomos de carro, somente à noite.

Ao chegarmos, localizamos dona Gouveinha já assistindo a Missa. Para não incomodá-la, meu pai resolveu nos levar para passear um pouco. Lá vai, seu Vicente, levar seus três comportados pupilos para conhecer a cidade, comer pipocas e bombons.

Andando pelo lugar, meu pai, segurava nas mãos dos meus irmãos menores e permitia que eu, por ser um pouco maior, andasse apenas ‘encostado’ neles. Vez em quando, ele colocava meu irmão Paulo, na época, Nenen, assim o chamávamos, nos braços.

De frente à Gruta, então, resolvemos subir.

Com aqueles degraus inclinados, eu nunca tinha visto nada igual, a Gruta estava lotada de gente, subindo e descendo. Quando já estava chegando ao topo, solto sem pegar em nada nem em ninguém, eu me desequilibrei, ‘prantei-me’ no chão e saí ‘bolando’ escada a baixo.

Meu pai, coitado, aflito, não sabia o que fazer. Se, corria pra me salvar ou deixava meus irmãos livres, correndo mesmo risco.

Desci uns dez degraus, machucando as costas a cabeça e os joelhos até chegar, finalmente, nos pés do senhor Chico Baité, que naquele instante, também subia, de mãos dadas com uma moça, e me amparou.

Ora, o choro foi instantâneo. Só parei, quando reencontrei minha mãe, que cuidou dos arranhões e me acalmou. Mas, fiquei dolorido por mais de uma semana.

Oh lembrança, essa!

Aos domingos, em Barroquinha!

Eu passava a semana inteira, esperando o dia de domingo na nossa Barroquinha.

Morávamos, no quadro da rua, era sempre um sonho dos meus pais, próximos da Igreja, à beira da rodagem que ligava Camocim à Chaval, na terceira casa, contando da esquina da calçada alta, vizinha à da moageira de sal do senhor Chico Benício.

Aos domingos, logo cedo, parava quase na nossa porta, um caminhão que transportava uma ‘ruma’ de gente, bagagens e animais que vinham do distrito vizinho, de Araras.

Mesmo menino, recordo que este caminhão, não sei dizer a quem pertencia, tinha algo peculiar que nunca mais vi em lugar algum. Sua ignição, ou seja, pra ‘botar’ o motor para funcionar, o ajudante do motorista, tinha que ter um, utilizava-se de uma manivela colocada na parte frontal do veículo.

Depois de várias giradas e de muita força dispensada, era que o ‘bicho’ pegava.

Os passageiros que saltavam do velho caminhão, logo se espalhavam pelo lugar, quando não, alguns adentravam logo nas mercearias do senhor Raimundo Dazico e do senhor Letácio. E, a partir dali, tome cachaça!

No Paço Novo ou Rua do Ouvidor, especialmente nas bodegas do mercado, aglomeravam-se inúmeros cavalheiros e amazonas, que tinham as mesmas intenções e desejos dos passageiros do caminhão, porém, vinham de outros lugares arredores: Unha-de-gato, Sertão, Juazeiro, Lagoa do Mato, Mucambo, Pernambuco, Barroquinha dos Fiéis, Ilha, etc., por que não dizer também, Bitupitá.

Interessante, era que os cavalos eram mais enfeitados, de que quem os montava. Tamanha a simplicidade do nosso povo. Preocupavam-se mais com a beleza das celas nos animais, que a de suas próprias roupas. Eu, também, comungava com isso. Embora não possuísse nenhum cavalo.

A grande maioria, quem não bebia, vinha apenas visitar os parentes ou participar de algum evento religioso, se estivesse acontecendo, ou ainda, às compras de mantimentos. Mais o certo é que, nosso distrito ficava cheio de gente de fora.

Por volta do meio dia, em diante, a ‘negrada’, em bom barroquinês, começava ir embora, antes que o ‘sol esquentasse’ ainda mais.

À tarde, quase sempre, a diversão era assistir aos jogos da seleção de Futebol de Barroquinha, que de amistosos não tinham nada, vez por outra, alguém puxava uma faca, arrumando confusão.

O time era bom e, quando não saía, recebia outros times da região em um campo, que ficava no descampado longo, existente em frente ao Colégio Carmelita Véras. Ou, ainda, no campo do Edmário. Era tão longo, o descampado, que chegavam a pousar, pequenos aviões.

Na inauguração do Colégio Carmelita Veras, por exemplo, o governador Adauto Bezerra, pousou na porta. Eu e o meu pai, estávamos lá!

Depois, outro campo de futebol, foi criado em um dos terrenos do senhor Oliveira, no bairro da Caucaia. Aliás, segundo meu pai, senhor Oliveira, foi um bom goleiro em sua juventude.

Não conseguiria lembrar o nome de todos os nossos atletas, nem tentaria, para não cometer injustiças, esquecendo de alguém. Porém, lembro, o meu primo Potó, criado pela minha avó Chicota, que parecia uma mistura de calango com sibiti, era um dos goleiros da época.

Pela noitinha, as ‘radiadoras’ da Igreja ecoavam músicas do Padre Zezinho, um pouco antes da batida no sino, chamando os católicos para o Culto Dominical. Que, por ausência de padre na localidade, eram sempre celebrados pelo meu pai, Vicente, Dirigente do dia do Senhor. Missão, que recebeu do queridíssimo Mons. Inácio Nogueira Magalhães, pároco da região.

Durante o Culto, que tinha início às dezenove horas, e principalmente após o término deste, a juventude de Barroquinha, reunia-se na pracinha, ao lado da Igreja, passeando, gastando sola de sapato, de um lado para o outro, no sentido horário e no sentido contrário. Quando não, sentada nos bancos.

Ali, se iniciava as paqueras, os namoros e os romances dos rapazes e moças, continuados nas tertúlias, que tocavam os sucessos dançantes da época.

As tertúlias, eram tocadas em um pequeno salão, existente por trás de um dos ponto de loja, no inicio da Rua do Ouvidor, com acesso ao lado do último ponto, alugado pela minha ex-professora, senhora Socorro do Mundim, junto ao senhor Pedro Véras.

Depois que fiquei mais crescido, foi inaugurado o Imperial Clube. As tertúlias, então, passaram a ser realizadas neste novo espaço. Mais amplo e com capacidade para maior número de pessoas.

Daí, o meu dia acabava e voltava ao marasmo da semana, aguardando o próximo domingo.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O circo do ‘seu Coitim’.

Lembro bem, que por duas oportunidades foi montado em Barroquinha, o circo do senhor Coutinho, que em bom barroquinês chamávamos, ‘seu Coitim’.

Na primeira vez em nossa cidade, ‘seu Coitim’, instalou-se no espaço que existia entre o nosso mercado e o muro do Colégio Carmelita Veras. Onde, mais ou menos hoje, funciona a feira de frutas e verduras.

Os espetáculos eram bem apresentados e existiam muitas atrações que prendiam ao público, predominantemente, infanto-juvenil.

O circo, nesta ocasião, era um palco rodeado por arquibancadas, que também chamávamos de poleiro, ‘tapando’ a visão de quem estava fora, apenas, com uma lona branca.

Apesar da simplicidade, as dançarinas, os palhaços, os trapezistas e acrobatas dentre outros artistas, nos divertiam todas as noites, durante o tempo em que o circo ficava montado.

O próprio senhor Coutinho, era uma atração a parte. Pois, além de proprietário, era apresentador e o mágico do espetáculo. Foi o primeiro ilusionista que presenciei trabalhando. Confesso que fiquei encantado com os truques daquele velho.

Quando as apresentações acabavam, meus irmãos, meus amigos e eu, voltávamos para casa ainda comentando sobre o que tínhamos visto.

- ‘Rapaz, aquele homem é pobre porque quer’! Dizíamos, nos referindo ao fato daquele mágico transformar papel de embrulho em dinheiro vivo.

Ficávamos ‘invocados’ com a atitude do ‘seu Coitim’ tirar metros e metros de fitas de sua boca. Não entendíamos como uma pessoa poderia bater na barriga com apenas uma bolinha de ping-pong e depois, literalmente, cuspir várias outras bolinhas.

Como aquilo poderia acontecer? Me perguntava!

Numa segunda oportunidade, a caravana circense retornou à Barroquinha, desta vez, com uma melhor roupagem, com tenda bem armada, um circo como realmente deve ser. Nesta oportunidade, se instalou num campinho atrás da Igreja.

As atrações continuavam as mesmas, porém, agora, o circo do senhor Coutinho possuía uma banda de musica, que só sabia tocar lambada, além de sua mais nova atração: ‘A mulher degolada viva’.

Recordo que certa noite fomos, eu e meus irmãos, assistir a apresentação do circo, curiosos para conhecer a degolação da mulher.

Estávamos no poleiro mais alto, bem na frente do palco. Sentava ao nosso lado o Jocélio, que tinha um jeito sempre muito alegre e peculiar de se comunicar, neto do senhor Raimundo Valdimiro, juntamente com sua irmã Socorrinha.

No momento em que foi, finalmente, anunciada a atração principal, a tal mulher degolada viva, ficamos todos bastante apreensivos sem saber o que exatamente veríamos.

Então, a cortina se abriu e estava lá. Uma mulher sentada em uma cadeira, sua cabeça estava ligeiramente inclinada para trás e a garganta assustadoramente transpassada por uma ‘peixeira’ enorme.

E, ainda, para aumentar o terror da cena, um dos palhaços ‘sacolejava’ o cabo da faca, fazendo com que a moça jorrasse ainda mais sangue pela boca.

A visão era realmente muito forte, todavia, o ‘vexame’ maior estava por vir. Diante do que acabara de ver, nosso amigo Jocélio, não resistiu a emoção e desmaiado ‘despencou’ da arquibancada, mais alta, até o chão.

Foi um alvoroço danado. Esquecemos da mulher degolada viva e, depressa, descemos para socorrer o pobre garoto, que se encontrava ‘esparramado’ na grama com sua irmã aos prantos.

Foi uma noite inesquecível!

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Bandeirinha

Na Barroquinha do meu tempo de criança, não tínhamos muita opção de divertimento, além dos jogos de futebol às tardinhas.

No entanto, outra opção, das poucas que nos restava durante todo o ano, era a de brincar de bandeirinha.

Falo durante todo o ano, por algumas diversões serem, por assim dizer, sazonais. Ou seja, o inverno proporcionava que brincássemos no jogo de bilas e de soltar pião. No verão, soltávamos papagaios, as pipas. Apenas o futebol e a bandeirinha, podíamos brincar o ano inteiro.

A bandeirinha, consistia em traçar uma listra no chão e fincar um bastão nas extremidades de cada terreno dividido, representando uma bandeira. A finalidade da brincadeira era fazer com que um time evitasse ao outro ultrapassar a listra para resgatar o bastão fincado ao fundo.

As equipes, não necessariamente existiam um numero exato de componentes, ficavam frente a frente e alguém sempre estava tentando entrar no lado adversário para resgatar a bandeirinha representada pelo bastão.

Quando um dos componentes do time adentrava na área adversária para pegar o bastão e era tocado por um dos membros da outra equipe, ficava preso neste lado, junto do bastão, aguardando que outro membro de seu time viesse resgatá-los.

Assim, o time que ficava com menor número de componentes estava propício a perder o jogo. Pois, o ataque do time adversário poderia ser em maior número de jogadores e os defensores não eram suficientes para evitar o resgate da bandeirinha.

Neste caso, a única opção dos defensores, era tocar o adversário que portava a bandeira. Este continuava preso ao terreno, e a brincadeira continuava até que houvesse um vencedor.

Optávamos por brincar em frente nossa casa, isso quando nossa mãe permitia. A pronúncia de palavras de baixo calão e pornografias que se dirigia, muitas vezes, a genitora dos ofendidos, não a agradava.

Todavia, dávamos sempre um jeito de participar da brincadeira.

Minha irmã Cristiana

Após cinco gestações, sendo todas de crianças do sexo masculino e de ter abortado espontaneamente as duas primeiras, minha mãe sonhava em ser mãe de uma filha mulher.

Tio Fernando Gouveia, irmão de minha mãe, e tia Aurí, sua esposa, haviam sido padrinhos de uma menina, por nome de Cristina, e acabaram por adotá-la como filha.

Filha do casal Manoel e Cícera, a menina Cristina era irmã gêmea de outra menina, esta por nome Cristiana, que apesar de um ano de vida ainda não andava e não pronunciava palavra alguma.

O referido casal, tinha muitos outros filhos, inclusive um bebê, recém-nascido. E, na época, a situação em que as crianças viviam não lhes proporcionavam grandes perspectivas de vida.

Então, incentivada pelo irmão e pela cunhada e da aceitação dos pais biológicos, minha mãe resolveu tomar a outra menina, Cristiana, para criar e assim realizar um sonho antigo de ter uma moça em nossa casa.

-‘Pra outra pessoa não. Mas, para senhor Vicente e dona Gouveinha, eu aceito que ela vá!’. Disse a mãe Cícera.

Em 1980, nossa irmãzinha chegou a nossa casa.

Miudinha, nem sentava direito, virou a patetice da família e logo, por eu seu o mais velho, passou a ser uma de minhas tarefas de casa, fazê-la dormir.

Observei que aquele, agora, nosso bebê, tinha como hábito se auto-acalentar. Pois, quando estava com sono, nem precisava eu balançar a redinha dela. Ela própria, sozinha, fazia um movimento de meio giro com as perninhas, proporcionando-lhe sono profundo.

Mesmo não sendo de sangue, Cristiana ocupou o espaço no seio da família como nossa verdadeira e única irmã. Herdando também como seus, nossos avós, nossas tias, nossos tios, primos e primas, parentes e aderentes.

Pois, acredito que esta foi uma missão que meus pais obtiveram para esta vida, e que assim como a mim, ao Emanoel e ao Paulo, também a ela, teriam que receber como seus verdadeiros filhos e filha.

Nossa família não estaria completa se nossa irmã Cristiana não existisse.

Orlando Félix de Oliveira

O senhor Orlando Félix era uma daquelas figuras que jamais esquecemos.

Barbeiro de profissão, também exercia função de carpinteiro e marceneiro além, nas horas vagas, de grande historiador.

Sua barbearia, principalmente aos domingos, recebia inúmeros clientes de vários lugares vizinhos, para cortar os cabelos e fazerem a barba.

Grande amigo de meu pai, o carequinha, não tinha um fiapo sequer de cabelo na cabeça, era uma pessoa simples, mas de um senso de humor invejável. Sua inteligência e sua memória astuta eram de causar inveja a muitos humoristas imitadores dos dias de hoje.

Imitava com grande perfeição quase todos os seus amigos e clientes. Sabia colocar como poucos, uma brincadeira ou mesmo uma piada, às vezes até de forma ingênua, em tudo o que fazia e onde quer que estivesse.

Certo domingo, na casa de tia Leontina e tio Jose Maria, no Paço Novo, após uma reunião vespertina do Círculo Bíblico, minha tia serviu um doce como cortesia aos presentes.

O silencio predominava na sala, quando senhor Orlando soltou: - ‘Oh doce doce, nunca vi um doce tão doce, como este doce.’

Foi o suficiente para quebrar o gelo do silêncio, causando em todos grande gargalhada.

Suas estórias, todas muito engraçadas, faziam com que todos dispensassem a atenção para ouvi-las.

Outro domingo, à noite após o Culto Dominical na igreja, senhor Orlando contou-nos que quando namorava sua esposa, dona Regina, precisava tomar um cavalo para ir visitar a moça no distrito de Amarelas.

Religiosamente, toda semana, ele fazia aquela rotina para encontrar sua noiva.

Foi então, que numa destas visitas, ele se deparou com algo que naquele dia, para ele, era de outro mundo.

Quando estava para chegar à residência dos pais de sua futura esposa, em frente à moradia, iluminado apenas pela luz da lua, de longe avistou o reflexo de um monstro enorme.

O referido monstro estava de pé, com dois braços abertos e usava chapéu e gravata.

Tremendo de medo, ele disse: ‘-pronto, hoje eu num vejo Regina. E agora?’ se perguntou sem saber o que fazer.

Lembrou o que os antigos diziam, que numa situação de medo como aquela, se o sujeito mordesse a faca, o medo passava.

-‘Quase engoli o meu punhal e o medo não passou.’ Ironizou ele próprio.

Depois de muito tempo parado com medo de se aproximar daquele monstro, percebeu certa movimentação na casa, com vergonha de que alguém já o tivesse visto, tomou coragem e seguiu em frente ao encontro da amada.

Foi quando para sua surpresa, percebeu que o monstro de nada existia.

Na realidade, o monstro era o que restava de uma velha árvore, a qual ele nunca havia dado conta e, naquele dia, fora podada deixando dois galhos laterais que, de longe, ele enxergou como braços abertos.

E o chapéu e a gravata? Lembro de alguém perguntando!

No mesmo dia, explicou senhor Orlando, houve a matança de um porco e a bacia onde ferveram a água para a pelagem do animal, suja de fumaça preta, foi emborcada na cabeça do monstro, ou melhor, da árvore, passando a idéia visual de usar um chapéu.

Já a gravata, foi resultado de terem ateado fogo na parte superior da árvore com a intenção de matar o miolo e evitar que a mesma continuasse floreando e, por coincidência, a queimação caprichosamente desceu na madeira, fazendo com quem avistasse a distancia, confundisse com uma gravata. Finalizou ele.

Numa oportunidade, lembro de ter julgado o velho barbeiro, como sem juízo. Pois carpinteiro que também era, construiu o próprio caixão funeral e o guardava em casa. Um dia, passando em frente de sua casa, estava o caixão exposto na sala e, pasmem, o senhor Orlando estava deitado dentro se fingindo de morto. E gritava: - ‘Regina, Regina, olha aqui, vem me ver!’

Tomei um susto imenso. Afinal, como todo menino da minha idade, morria de medo dos mortos.

Já doente e fragilizado, continuava a trabalhar na barbearia. Recordo, quando eu ainda menino, no momento em que cortava o meu cabelo, pela última vez, rogou a Deus pedindo saúde para que um dia pudesse também, fazer a minha barba.

Jurei a mim mesmo, no dia que eu tivesse pêlos no queixo, lhe proporcionaria a realização deste desejo. Porém, Deus, o chamou antes que realizasse o seu pedido.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

TV na Praça

Quando criança, assistir televisão na nossa Barroquinha era uma verdadeira aventura.

Pois, como se não bastasse o número reduzido destes eletrodomésticos no lugar, tínhamos que torcer para que as imagens aparecessem na tela, mesmo, com um ‘chuviscado’ que parecia as entranhas de uma grande colméia de abelhas.

No quadro da Matriz, nas décadas de setenta e oitenta, poucas residências possuíam, em barroquinês, ‘telerrisão’ e, somente, em preto e branco.

Para assistirmos a programação, ficávamos nas calçadas destas casas, escorados, acotovelando-nos nas janelas ‘espiando’ as TV’s nas salas, procurando enxergar através das rótulas. Isso, quando o proprietário da casa permitia e não fechava os basculantes em nossa cara.

Outros, mais educados, nos convidavam a entrar e permitiam que sentássemos ao chão. Desde que, ficássemos sem dizer um ‘pio’.

Por volta do ano de setenta e quatro, foi construída na praça, ao lado da Igreja, uma cabine para que nesta fosse abrigada e instalada a primeira TV pública de nossa cidade.

Foi quando, pela primeira vez, vi uma televisão, ou melhor, fiquei sabendo, que existia um ‘negócio daqueles’.

O referido receptor de imagens e sons, ficava protegida numa caixa de tijolos, comuns às TV’s de praças, suspensa por paredes, também de tijolos, a uns dois metros e meio de altura.

Estava posicionada de frente para umas carreiras de bancos e com as portinhas de frente para o oeste. O que dificultava acompanhar a programação durante o dia, em razão do posicionamento do sol.

Como falei antes, ao contrario das imagens que recebemos hoje pela tecnologia que dispomos, o sinal era bastante ruim. Quando melhorava, pouca coisa, era pela utilização de um aparelho que chamavam de ‘amplimatic’.

Todavia, na minha época de menino, era o que tínhamos de melhor, para acompanhar os telejornais, as novelas e os jogos de futebol.

Como as coisas mudaram, não é verdade?

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Radio Pinto Martins

Sempre me senti pressionado, por mim mesmo, na intenção de descobrir desde cedo o que eu seria na vida? De como poderia trabalhar ou o que poderia fazer para sustentar uma família? Com quem me casaria? E outras mais. Eram perguntas que eu me fazia, mesmo quando ainda muito jovem.

Muito precoce em quase tudo, vivia intensamente todos os meus sentimentos, me preocupava sem necessidades, com assuntos que normalmente não seriam da ‘conta’ de um adolescente.

Então, já morando em Camocim, ficava ´cutucando’ ao meu pai para que, por intermédio de suas amizades, conseguisse um emprego para mim.

Aos quinze anos, portanto, por intermédio de um contato do meu genitor com o senhor Edilson Véras Coelho, conseguimos um estágio de locutor na, 14,50 AM, Rádio Pinto Martins de Camocim.

Coincidência, ou não, era a realização de um sonho. Pois, mesmo, sem saber o que iria encontrar de trabalho pela frente, era com o rádio que eu me identificava e passava horas afio, ensaiando em casa.

Com um bilhete em mãos do presidente, senhor Edilson, avalizando meu primeiro emprego, me apresentei à direção da emissora, no dia seguinte. Muito cedo.

No primeiro dia, me deram um ‘chá de cadeira’ de uma manhã inteira. Lá pelas onze e meia, me mandaram voltar no dia seguinte.

A vontade de trabalhar era tanta e, maior ainda, a de me tornar locutor, que às sete e meia da manhã, eu estava lá novamente.

Desta vez, o diretor da rádio, grande comunicador, Cardoso Filho, conversou comigo, fizemos um teste, ele gostou e então fiquei ao seu lado, num programa da manhã que ele mesmo apresentava.

Meu estágio consistia em observar o modo como ele se comunicava, o trato com os ouvintes, aprender os bordões de freqüência da rádio, além de uma série de informações e técnicas, que só quem é do rádio entende.

Já no segundo dia, senhor Cardoso chamou-me e disse: - ‘Hoje você começa definitivamente, já falando no ar, ao meu lado’.

As pernas ‘bambearam’, as mãos começaram a suar, fiquei muito nervoso, mas, entrei no estúdio ao lado dele.

Depois de dois dias, eu já estava completamente à vontade. O velho comunicador me ajudava e eu não ‘titubeava’, lia as notícias, informava as horas, fazia apresentação musical, atendia aos ouvintes no telefone, etc.

Depois de uma semana de estágio, cheguei a fazer a apresentação do programa da manhã, no horário do próprio Cardoso Filho, sozinho, enquanto este estava numa viajem.

Então, quando o mesmo voltou, lembro que ele saiu perguntando aos demais colegas, o que tinham achado de mim e da minha desenvoltura como apresentador.

Bem, a maioria, para minha felicidade, disse que eu já estava pronto. Outros, acho que por ciúmes, ficaram calados. Mas o certo, era que eu ia fazer o meu primeiro programa, sendo o locutor principal do Big Show, como sempre havia sonhado, já no sábado à noite.

Eu não cabia em mim, de ansiedade e emoção.

Foi então que fui convidado para uma reunião, já como locutor, na sexta feira, meio dia, após o programa da manhã, e o pior aconteceu.

Cardoso Filho, finalizando seu programa, no momento em que informou as horas para os ouvintes, fez o seguinte comentário, em tom de brincadeira.

- “O Raimundo comprou um ‘Oriente’, o Sandro ficou com o ‘Mido’ e o Gouveia deu o ‘Roscópi”.

A menção, de duplo sentido, era à palavra ‘ROSCOFE’, no sentido amplo da palavra, porém de uma indelicadeza e pura falta de criatividade. Comuns a alguns comunicadores, que se sentem dono das palavras e acham que podem dizer idiotices quando querem.

Sabendo que minha família estava ouvindo aquilo em nossa casa, meu coração se apertou. E, não deu outra, antes que a reunião começasse, meu pai entrou na sala, me chamou na frente de todos e proibiu que voltasse àquele lugar.

E assim, foi ‘por água abaixo’, o meu sonho ser me tornar locutor de rádio.

Trajetória Escolar

Fui alfabetizado por minha mãe, e depois fui direto para o primeiro ano.

Cursei a primeira série do primeiro grau com a professora Maria do Amparo no prédio da ‘prefeitura’, onde hoje se localiza a clínica.

Depois, na segunda série, fui estudar numa escolinha que a Ancelet Rocha mantinha em sua própria casa.

A terceira série eu consegui concluir na Escola Carmelita Veras com a professora Edileusa Carvalho.

Em 1980, estudava na escolinha particular da professora Socorro Lisbão fazendo a 4ª série.

A escolhinha, situava-se na rua da Lacerda, aglomeravam-se um número razoável de crianças e adolescentes que, mesmo sendo de série diferentes, ficavam todas na única sala que existia.

Dona Socorro, era de pulso firme e tinha que ser, pois seus alunos, como muitos dizem, ‘não eram flor que se cheire’.

Vez por outra, ela se apropriava de uma ‘palmatória’ para punir aos mais bagunceiros. E, não eram poucos.

Como eu havia sido aluno de minha própria mãe e, lá em casa o ‘couro comia’, era um dos poucos comportados e estudiosos. Muito mais, por medo de casa, que da minha querida e para mim, amável professora.

Por decisão de meus pais, no ano seguinte, fui estudar no Instituto São José, em Camocim. Por não, possuir grade curricular, exceto pelo ano que estudei no Carmelita Véras, tive que fazer todas as provas dos anos anteriores, em uma única manhã.

Além disso, a professora Socorro escreveu uma carta emocionante à direção do colégio das irmãs, na qual me cobria de elogios e me referenciava como aluno exemplar.

Vale ressaltar, que somente consegui realizar tais provas, criando a partir daí um currículo escolar, graças à esta carta de minha professora, a qual sensibilizou Irmã Henrica, então diretora do ISJ.

Sempre que vejo dona Socorro, esposa do senhor Mundim, procuro cumprimentá-la com peculiar respeito e admiração, reconhecendo que o mesmo lhe é recíproco.

Para mim, será sempre exemplo uma guerreira disfarçada de mulher. Foi uma pessoa que ficou marcada na minha vida, pela sua garra de lidar com seus próprios filhos e ao mesmo tempo com seus alunos, filhos dos outros.

domingo, 18 de julho de 2010

Nascimento do Paulo

O sol alto e bem raiado, meu pai me acordou e disse: - ‘o neném vai nascer’, levante-se.

Estávamos na casa de minha avó Chicota, dormíamos todos no mesmo quarto, quando minha mãe começou o trabalho de parto.

Logo, dona Sônia, enfermeira que acompanhava minha mãe, percebeu que não seria um parto muito simples.

No final da manhã, depois de muito sofrer com as dores da mamãe, meu pai, não cabia em si de preocupação.

Como tudo em nossa família, tende haver o dedo de Deus, eis que aparece na casa da vovó, o tio Fernando Gouveia. Que, ‘aperriado’ como ele só, vendo o sofrimento de todos com as dores de sua irmã caçula, não titubeou e falou para meu pai: - “Vamos, vamos, compadre. Vamos levar a comadre pra Camocim!”.

Imediatamente, estávamos prontos para viajar. Não lembro onde e nem com quem meu irmão Emanoel ficou. Mas lembro que na saída, alguém o fez tomar a benção pra minha mãe.

Aquilo me fez chorar muito. Me emociono até nos dias de hoje, inclusive. Pois, foi a primeira vez que tive medo de perder minha amada mãezinha.

Naquele momento, embora com quatro anos de idade, percebia que tudo cogitava nesse sentido.

Em Camocim, fomos direto para o Hospital, onde pouco tempo depois meu segundo irmão nasceu, dia 24 de Março de 1975, assistido por uma freira, com 51,0cm e pesando 4,800Kg. Um verdadeiro gigante, para a época!

domingo, 11 de julho de 2010

Gouveia Neto, por quê?

Sempre digo que onde chego, pareço ter escrito na testa: “me chamem de Neto”. Em qualquer lugar que eu esteja, duas características não me fogem: todos sabem que sou natural de Barroquinha e que atendo por Gouveia Neto, ou apenas Neto se preferirem.

Os amigos mais próximos, assim como, os colegas de trabalho, ficam indagando:

- Como um cidadão que não tem “Neto” no nome, pode ser chamado assim?

Respondo, na maioria das vezes, que a estória é longa e que irei explicar depois. - E esse depois nunca acontece. Eles dizem.

Para esclarecer de vez, àqueles que ainda não conhecem essa pequena estória vou dizer-lhes o que aconteceu.

Quando nasci, minha mãe falou ao seu pai, o velho Chico Gouveia, que me chamaria Francisco Gouveia Neto, uma justa homenagem ao mesmo. Assim, logo os familiares passaram a me chamar de Netinho, é claro.

Naquela época, os pais não tinham a obrigatoriedade, que existe hoje, de registrar seus filhos recém-nascidos, deixando para registrá-los num momento oportuno.

Comigo não foi diferente. – ‘Todos já o conhecem por Netinho, a gente registra depois’; disseram meus pais.

Quis o destino, que após meu primeiro ano de vida, meu avô viesse a falecer sem que eu ainda possuísse certidão de nascimento.

Meses depois meu pai, de comum acordo com minha mãe, fez meu registro colocando seu sobrenome no primeiro filho, excluindo o nome Neto, oficialmente.

Com a morte do pai, minha mãe herdou uma botica homeopática, chamada assim pela família, da qual meu avô tirava um complemento financeiro à sua aposentadoria, revendendo remédios homeopáticos receitados por ele próprio.

A referida botica, na realidade um pequeno armário de madeira cedro, que guardava remédios fabricados com produtos naturais de medicina alternativa, precisava adquirir as mercadorias para atender as solicitações de muitos pacientes da nossa localidade.

Diante do pedido de muitos, minha mãe, resolveu escrever ao fornecedor, no Rio de Janeiro, assinando o remetente como Gouveia Neto, numa tentativa de informá-lo, nas entrelinhas, que uma segunda pessoa estaria assumindo a botica.

Desde então, em todos os meus documentos constam Francisco Gouveia Farias, porém, carrego comigo o peso e a responsabilidade que representa para minha família e para o passado de nossa cidade, o nome Francisco Gouveia.

Sebastião Adolfo

Homem destemido, nunca levou desaforo para casa. De paciência curta, a não ser com os filhos ou com aqueles a quem admirava e tinha fraternal amizade.

Não poderia ser de outra forma, é assim que vejo em minha lembrança, até hoje, meu avô paterno.

Nasceu na cidade de Ipú-CE, no dia do padroeiro de quem levou o nome, em 20 de janeiro de 1914, vindo residir ainda menino, na vila de Lagoa do Mato, em Barroquinha.

Sebastião Adolfo Farias, embora sem letra, como ele mesmo dizia, dotava de grande inteligência e perspicácia.

Para sobreviver acumulou durante sua vida as funções de pedreiro e pintor, além de cuidar da agricultura em seus próprios roçados. Quando jovem, trabalhou ainda, viajando e comercializando nos comboios entre a serra da Ibiapaba e Bitupitá.

Casou-se duas vezes. Porém, nunca deixou de ter o mesmo sogro e a mesma sogra. Pois, após o falecimento prematuro de Francisca Clemente de Sousa, minha avó, mãe de meu pai, desposou uma cunhada mais jovem.

Com sua segunda mulher, Inês de Sousa Farias, tiveram cinco filhos, sendo: José, Maria, Francisco, Francisca, esta chamada carinhosamente de ‘Nêga’ e o caçula Sebastião.

Além destes, ainda tomou para adoção as seguintes crianças: Otávio, França, Maria Vanda e Viviane, que assim como aos seus filhos biológicos, dedicou por toda a vida, o seu exemplar e cuidadoso amor paterno.

De poucas palavras, comigo, sempre mais ligado ao meu irmão Emanoel, nunca esqueceu, embora de forma encabulada, de mostrar o seu carinho, o seu orgulho, a sua afeição e sua preocupação de avô.

Sempre, quando eu o encontrava, depois da benção, me perguntava se estava tudo bem com os meus estudos ou com minha vida pessoal.

Da ultima vez que o vi, tive a honra, a satisfação, o tempo e o orgulho de lhe apresentar sua primeira bisneta, minha filha Naiana Iris, quando esta ainda tinha quatro anos de idade.

Já não mais ostentava a voz. Quase sempre rouca, estava ainda mais baixa. Mas, percebi que aquela menininha lhe causou visível emoção.

Meu avô faleceu dia 31 de Julho de 1996. Em um dia em que meu pai, ao me dar a notícia por telefone, emocionado, disse: - ‘Hoje estou enterrando meu pai. Agora, são vocês que deverão me enterrar’.

Uma mensagem que compreendi sendo para mim e meus irmãos, relacionada à ordem natural da vida. Onde, a dor de se enterrar o pai, consegue ser menor que a dor de sepultar um filho.

Isso me emocionou profundamente.

Barroquinha por escrito II

“Paço Imperial"


Para honrar a seguinte promessa: “Se necessário, venderei até a última jóia de minha coroa, mas não quero um cearense (depois muitos disseram nordestino) morrendo de sede”, o Imperador D. Pedro II, enviou várias comitivas ao interior da província do Ceará para socorrer os flagelados das secas.

Estas comitivas, também chamadas de Comissões Imperiais, então, viajaram por todo Estado do Ceará criando várias obras de infra-estrutura, como: estradas, barragens, poços e açudes, dentre eles o açude Cedro na cidade de Quixadá. O mais famoso até hoje.

Tudo isso, para que os cearenses passassem menos dificuldades nos anos de seca.

Uma destas comitivas do império viajou, portanto, por todo litoral norte do Ceará, passando por varias cidades. E, em obediência as ordens do Imperador, por onde estiveram deixaram benefícios para os moradores.

Passando por nossa cidade, construíram um poço profundo, exatamente onde era a antiga caixa d’água ao lado do Posto de Saúde, com capacidade para 400 mil litros de água por hora.

Pela perfuração do poço e por esta passagem da comitiva Imperial, Barroquinha ficou conhecida no início por “Passo Imperial”. Com a ampliação do quadro da igrejinha na ‘rua de baixo’ passou-se a chamar “Paço Imperial”.

A pobre e pequena vila de agricultores e caçadores chamada de Passo Imperial, liderada por Porfírio Dilaborão, servia de entreposto, ou seja, ponto de apoio para viagens de comboieiros, onde estes se arranchavam para pernoitar.

Os comboieiros, eram livres comerciantes que levavam e traziam seus comboios de dezenas de animais carregados com tecidos, farinha, algodão, peixes secos, mel de abelhas, couros ou peles curtidas, etc.

Uma empresa localizada na cidade de Granja por nome de “Irmãos Gouveia Comércio e Exportação”, de propriedade de Antonio Diogo Gouveia (foto) e seu irmão Antonio Luis Gouveia, era a principal encarregada deste leva e traz dos comboieiros, uma vez que comercializava suas especiarias, através do porto de Camocim, com o continente europeu, especificamente Portugal, país de origem dos irmãos Gouveia.

Comentou-se também, sem registro oficiais de datas, tão pouco documentos que comprovem esta ocorrência, que alguns posseiros liderados pelos senhores Antonio Diogo Gouveia e José Zeferino de Veras, arremataram do Estado as terras onde hoje se situa Barroquinha e doaram à Santa Padroeira, Nossa Senhora dos Navegantes.

Estas mesmas terras, que rumavam ao norte com o travessão que separa a Barra do Rio Remédio até a Barra do Rio Timonha; que ao sul extremava com Baixa dos Baités; ao leste limitava-se com as palmeiras e o oeste datava das melancias, tornou-se distrito de Camocim pelo Ato de 07.06.1983, ainda sob a dominação de Paço Imperial.

Não se conhece o estudo lingüístico ou histórico do nome “Barroquinha”. Acredita-se, porém, que com a vinda dos Correios na década de quarenta, tenha-se oficializado esse nome em virtude de predominância em nossos solos do barro massapé, de formação argilosa e decomposta de cal. Não obstante, haja registros do nome ainda no inicio do século.
Na década de 1920, Barroquinha tentou mostrar seus primeiros passos de desenvolvimento, quando foi instalada uma pequena indústria de descaroçar algodão, trazida pelo senhor Antonio Diogo Gouveia, (foto),  mas que não durou e suas ruínas foram posteriormente substituídas por uma bomba de gasolina. Esta bomba foi instalada, mais ou menos, onde funciona o novo posto de saúde.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Água salgada

Quando moramos, pela primeira vez, em Camocim, em 1981, meu pai havia permanecido em Barroquinha, para exercer a função de pedreiro, com os clientes que já tinha.

Seria mais fácil assim, do que procurar trabalho no novo e mais concorrido endereço.

Todos os sábados ele ia para passar os fins de semana conosco, na princesa do mar.

Certa vez, no domingo, ele pegou a mim e meus irmãos e nos levou à praia. Mais ou menos na altura da pedra do mero.

Logo que começamos ao banho, percebi algo errado, mas não alarmei. Ora, nunca tinha entrado no mar, aquilo era novidade, portanto nada me fazia admirar.

No entanto, em dado momento, percebi que meu irmão Emanoel, também havia percebido algo estranho.

Sempre muito impulsivo, ele não se conteve:

-“Papai, vamos sair daqui, vamos mais pra ali. A água aqui é muito salgada”.

Lembro que meu pai sorriu levemente e explicou, carinhosamente a ele, que no mar, a água seria sempre salgada.

Isso sempre me fez rir. A ingenuidade do meu mano, assim como a minha própria, era enorme.

Esse menino é um artista.

No ano de 1981, após concluir a 4ª série com a professora Socorro, meus pais decidiram que eu deveria estudar em Camocim.

Seria um sacrifício enorme para toda a família, pois mesmo se tratando de uma cidade próxima, até então sede do município, haveria os transtornos da mudança, moradia e adaptação uma cidade maior, sem falar que meu pai teria que permanecer em Barroquinha em razão dos serviços que executava como pedreiro.

Mesmo assim, passamos por cima de tudo e fomos residir em Camocim.

Moramos, portanto, durante seis meses. Depois, apenas eu permaneci para dar continuidade aos estudos.

Fiquei perambulando nas casas das tias, com uma saudade danada dos pais, dos irmãos, dos amigos e especialmente da minha Barroquinha.

Certo dia, descobrimos, que a empresa de ônibus, Ipú-Brasília, fornecia um ‘passe estudantil’ que evitava despesas com passagens entre a cidade e o distrito.

Meu pai, então falou com o senhor José Maria Lúcio, gerente da empresa, fazendo com que eu voltasse a morar em Barroquinha. Indo diariamente à Camocim, estudar no Instituto São José, onde também havíamos conseguido uma bolsa.

Fiquei nesse vai e vem, por cinco meses.

No final do ano, depois de aprovado na quinta série, meu padrinho José Veras, homem sério, cara fechada, pouco me dirigia à palavra, a não ser nos momentos em que eu o tomava a benção, casado com minha tia e madrinha Sarah, me chamou na frente de muitos e disse: “- Esse menino é um artista”. Fiquei muito assustado, mas ele continuou: “- Estuda aqui no Camocim, viaja todo dia pra Barroquinha, e agora passou de ano.

E continuou: “-Tem muita gente, que mora aqui, não acorda às quatro da manhã, não tem que viajar todo dia como ela faz, e não é aprovado”.

Embora, não me considerasse nenhum gênio realizando uma grande obra-de-arte, assim como, houvesse passado de ano, apenas para cumprir minha missão de aluno e retribuir o sacrifício dos meus pais, fiquei orgulhoso de mim mesmo.

Afinal, aquele homem, quem eu tanto temia, até mais que ao meu próprio pai, havia reconhecido minha luta e me feito um emocionante e inesperado elogio na frente de um ‘monte’ de gente.

Entendi que o ‘artista’, daquele dia, foi uma forma acanhada que meu padrinho encontrou de me exaltar. Só que do jeitão dele!


Açudinho

Quando criança era comum nos períodos de chuvas, após as chamadas sangrias dos aguados, toda a meninada do lugar, se divertir nos banhos do açudinho.

O nome açudinho dava-se em razão da existência de outro local de banho, esse bem maior e um pouco mais afastado do centro, existente até hoje, que chamávamos apenas açude.

O nosso açudinho se localizava, mais ou menos, nos fundos dos quintais das casas da rua de baixo, na margem do rumo de quem sai de Barroquinha em direção ao São Vicente, Araras e Bitupitá.

Estava diretamente ligado, num aguado só, dentro dos terrenos e cercados, com mais outro banho que conhecíamos por bueiro. Este, localizado à margem da outra saída, em direção à cidade de Chaval.

Neste período também se aglomeravam no local, para além dos banhos no açudinho, um grande número de mulheres, entre senhoras e moças que se ocupavam nas lavagens de roupas.

Como não sabíamos nadar, nossa mãe não permitia nem a mim e nem aos meus irmãos, muitas idas até lá. Apenas na sua companhia e de mais ninguém.

- ‘Água não tem cabelo, e vocês são muito afoitos!’ Ela nos dizia severamente.

Obrigava-nos, quando íamos, que somente tomássemos banho no raso. E o que era pior, ainda tínhamos que levar uma escorredeira de macarrão da cozinha, para assim, simular um banho de chuveiro e não termos que mergulhar.

Isso, contrariando nossa vontade, claro, já que gostaríamos de agir como os demais garotos faziam.

Hoje, quase não consigo mais identificar o local exato do açudinho. Porém, jamais deixaria de citá-lo. Pois, o mesmo foi e sempre será, uma grande recordação de minha infância, como não dizer, dos meus amigos e contemporâneos.

domingo, 4 de julho de 2010

Barroquinha em poesia

Com alegria vimos parabenizar-te,
Barroquinha de povo festeiro,
Forte, humilde e companheiro.
Um filho teu nunca haverá de negar-te.

Andemos por onde andar,
Fiquemos onde ficar,
De ti, temos sempre que dizer.
Rezando, pedindo a Deus,
Que lembre dos filhos teus.
E possam voltar a te ver.

Lembremos da brisa fria,
Que pela manhã cedo acorda.
Lembremos dos coqueirais,
Carnaubeiras e manguezais,
Belezas tão fácil achantes.
Lembremos a Virgem Maria,
Que atendeu em santo dia,
A prece dos Navegantes.

Barroquinha velha querida,
Se não podes dar a guarida,
Aos que te amam de verdade.
Trabalhamos o ano inteiro,
No duro com muito gosto.
Encarando janeiro a janeiro,
Só pra te ver em agosto.

Barroquinha de todos nós,
Agora tens maioridade.
Lembramos de ti menina,
Antes de virar cidade.
Hoje é tudo um esplendor,
Sem vaga-lumes nem estrelas
Que ninguém nunca as contou...

O sol do meio dia é escaldante,
Teu povo justo e fervoroso,
Tuas praias lindas brilhantes,
O barro com a cal argiloso.
Nas Palmeiras teu começo,
No Mucambo o teu fim,
Ah Barroca se eu pudesse,
Trazer-te num pouquinho pra mim!

Festa da Padroeira

     Sempre procurei estar em nossa Barroquinha durante a festa de Nossa Senhora dos Navegantes, no mês de agosto.
     É impressionante o quanto a cidade natal nos fortalece e revigora de alegria e energia positiva.
     A tradicional “Festa de Agosto”, apesar das mudanças estruturais do lugar nas adaptações ao tempo, ainda é igual ao meu tempo de criança.
     A bandeira erguida, símbolo das festividades religiosas, as Missas campais onde os moradores do quadro sentam-se nas calçadas para assistir ao ato religioso de sua própria residência.
     A bandinha de música e suas alvoradas no raiar do dia e à tardinha, os leilões, as barracas de camelôs, barracas de bebidas e comidas típicas. Tudo como sempre foi.
     Sinto falta apenas da “ronqueira” do senhor Chico Mascelino, herdada de seu pai, o senhor Raimundo Mascelino. Fazia um ‘estrondo’ enorme! E somente era atirada durante os dias de festa, do meu tempo de menino.
     As festas “dançantes”, como são chamadas, continuam um atrativo para os jovens, como ainda continuam sendo motivo de preocupação, para os pais de hoje, jovens de outrora.
     Além de todo esse prevalecimento da tradição, ainda existe o fenômeno da união entre os barroquinhenses espalhados pelo mundo inteiro que se reencontram, neste período, numa confraternização de amizade, enfatizando lembranças e recordações, estórias, alegrias e até mesmo tristezas compartilhadas ao longo dos tempos.
     Cumprimentar aos mais velhos, nos dá a segurança que tivemos um passado, ao mesmo tempo, que passamos a eles a garantia do futuro.
     Finalmente, algo impagável é a recepção de nossos queridos familiares sempre dispostos a nos ofertar o melhor. Se doam completamente. Fazendo-nos sentir pessoas realmente amadas naquilo que o amor tem de mais puro.
     Porém, na despedida, parece que todas as nossas juntas doem, já de saudade.